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Serra:1



A possibilidade de entender a construção do espaço e o limite tênue que se estabelece entre Arquitetura e Arte é um motivador. A escultura moderna e seu deslocamento para o espaço real contribui para delimitar ou estender esses limites frágeis entre essas duas formas de expressão que tem como base o espaço. O entendimento desses limites, até pela complexidade que se percebe na construção das relações entre Arte e Arquitetura tem na obra de Richard Serra um recorte mais preciso. Falar sobre o trabalho de Richard Serra, escultor norte americano, é falar sobre esses limites tênues entre a construção do espaço da Arte e da Arquitetura, bem como falar sobre a transposição entre linguagens. Seu trabalho incorpora esculturas e também caminha pelo universo da vídeo-arte. Desde que deu início a seus primeiros experimentos em meados da década de 1960, utilizando como material primeiramente o chumbo, e posteriormente o aço, ele busca a experiência de relação com o espaço na escultura. Serra compreende a escultura como sendo vivenciada pela experiência sensorial do espectador, não apenas pelo olhar, mas também pelo tempo (FARIAS, 1993). Ele tem uma produção em vídeo que se concentra no período da década de 1970, e sua produção em escultura é vasta.

Como Richard Serra constrói o espaço em sua obra e como isso se rebate em seus vídeos?

Algumas obras de escultura de Richard Serra, do final da década de 1960, têm o conceito da repetição. Ora são placas de metal empilhadas, uma depois da outra; ora são placas enfileiradas uma após a outra. Esse conceito de repetição não implica em ordem. Ele simplesmente repete sem pensar em um final. Um experimento, como ele mesmo diz. Interessante perceber que no vídeo de 1971, Hand Catching Lead, ele usa esse mesmo conceito das esculturas. As placas de chumbo caem, caem, caem, e ele tenta agarrá-las. As vezes consegue, as vezes não. Ele não marca isso de alguma maneira. Logo também não há uma ordem nessa repetição. Ele simplesmente repete sem pensar em um final, em um número, em uma conclusão. O foco é o da repetição pura e simples. Essa pequena constatação pode vir a ser um exemplo de um universo de possibilidades que podemos estabelecer entre a produção da escultura e do vídeo na obra de Richard Serra. 

Para melhor entendimento, textos como os de Agnaldo Farias e Rosalind Krauss criam uma diretriz importante. No texto "De Richard Serra para os arquitetos" (1), Agnaldo explora o conceito da discussão de Richard Serra sobre a relação entre observador e espaço, e sua crítica aos arquitetos e seu processo “sintomático” (p. 74) de projeto. A escultura já não era mais um monumento desde que artistas como Rodin, Brancusi e Giacometti, tiram-na de seu pedestal. Para Serra, a obra de arte isola o observador, criando seu próprio tempo e espaço, tornando-se parte do lugar, reestruturando toda a percepção.

Já Rosalind Krauss em seu texto "Caminhos da Escultura Moderna: O Duplo Negativo: Uma nova sintaxe para a escultura" (2) enfoca todo o panorama da escultura nos anos de 1960 à década de 1970, quando o livro foi publicado, explorando os conceitos dos Minimalistas (grupo em que Richard Serra está inserido junto com artistas como Carl Andre, Morris e Judd). As obras de Serra e seus colegas são analisadas pela autora que encontra pontos em comum com idéias que vão desde as vanguardas russas, até Rodin e Brancusi no que diz respeito à organização do espaço pela escultura. Analisando as primeiras experimentações de Serra, como “Peça Moldada”, “Adereço de 1 Tonelada (Castelo de Cartas)”, “Placas de Aço Empilhadas” e o 1º vídeo-arte produzido por Serra “Hand Catching Lead”, a autora traça características importantíssimas para entender o significado de sua escultura que já não tem mais sua origem no interior, mas sim na natureza convencional, no exterior (espaço cultural). Para Krauss a escultura já não tem mais um significado particular.

Da mesma maneira, o texto de Arlindo Machado, "O Vídeo e sua Linguagem" (3), mostra-se necessário para entender o universo da vídeo-arte. Para o autor, não existe uma regra para o que se pode, e para o que não se pode fazer em vídeo. Logo no começo do texto, há uma citação sobre Richard Serra e o vídeo que produziu, “Television Delivers People” (1973) utilizando um gerador de caracteres (apenas um grande texto que passa pela pequena tela do vídeo para ser lido). Com esse vídeo, Serra e outros videomakers foram os responsáveis pela recuperação do texto verbal, e inserção com a imagem. O autor explora o universo das tendências dos vídeos, das formas audiovisuais e diversidades de experiências. Trata-se a Vídeo-Arte como relação do sentido, e não simplesmente do olhar ou da ilusão. A imagem do vídeo, não é a imagem inscrita no espaço, ela não existe nesse lugar, é uma informação de luz, existe na duração de uma varredura da tela. A imagem eletrônica é uma síntese temporal.


continua em Serra:2...

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Texto adaptado de introdução de pesquisa desenvolvida em 2007 intitulada: "Arte e Arquitetura: relações de vídeos e esculturas na obra de Richard Serra", por Fernando Gobbo.

Links do Youtube para os vídeos descritos:

> Hand Catching Lead: https://www.youtube.com/watch?v=_NBSuQLVpK4

> Television Delivers People: https://www.youtube.com/watch?v=nbvzbj4Nhtk

(1) FARIAS, Agnaldo. De Richard Serra para os arquitetos. São Paulo. Publicado na Revista Caramelo 6, 1993. 170 p.
(2) KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da Escultura Moderna: O Duplo Negativo: Uma nova sintaxe para a escultura. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 365 p.
(3) MACHADO, Arlindo. O Vídeo e sua Linguagem. São Paulo. Publicado na Revista USP nº 16, Dez/Jan/Fev 1992/1993. 9 p.

Foto de capa: imagem congelada do vídeo "Hand Catching Lead"

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