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Sobre ocupar o espaço


Medimos o espaço através de nosso corpo. Tal fato, unido a outras variantes (tempo, lugar, etc), desencadeia o olhar rotineiro. Nosso imaginário arquitetônico é formado justamente pela relação que nosso corpo desenvolve com o espaço e tempo em nossa sociedade, sendo importante notar que não basta somente isso para que nosso mundo seja gerado, mas também a vivência em nossa sociedade e todos os agentes envolvidos (como mostra Garry Stevens [1], ao falar sobre o campo da arquitetura como resultado de um emaranhado social, praticamente o Fato Social que descreve Durkheim).
Os arquitetos também não estão livres do imaginário ao criar e dividir programas de necessidades: a organização de espaços internos, diz muito sobre aquele que os cria. Cômodos arranjados em uma residência, e suas dimensões, nos permitem realizar uma leitura da sociedade no instante que tal arquitetura foi construída e pensada. Por mais moderno (no sentido de ser representativo de nosso tempo) que um edifício seja considerado, ele dificilmente escapa de certas interpretações. Na residência de Pietro Maria e Lina Bo Bardi por exemplo: embora apresente soluções construtivas e de acabamentos arrojados para a época na cidade de São Paulo, ainda cultiva uma dura relação entre serviço e social, delegando um espaço claramente desprivilegiado aos empregados.


O dinheiro pode controlar o tempo e o espaço do indivíduo ou de um grupo. As lutas sociais são um reflexo disso, são a luta pela retomada de nosso controle.
A própria definição matemática do tempo, gerou um controle financeiro, monetário. A relação entre tempo e dinheiro é essencial no Capitalismo, já que configura-se como o domínio do tempo do outro.
Da mesma forma, a confecção de mapas e desenhos (representações do espaço existente, utópico ou futuro), estão intimamente ligados ao dinheiro e à definição de nossa noção de público e privado. A relação que o trabalho e o domínio do tempo dos trabalhadores tem, é responsável, em parte, pela construção e conformação de nossos centros urbanos, já que as características financeiras de grupos está intimamente ligada ao local onde vivem, a maneira como vivem e ocupam tal espaço,  e a maneira como a sociedade enxerga e lida com isso. A luta de classes é resultado direto desse domínio espacial / temporal / monetário em nossa sociedade.
As revoluções e utopias nada mais são do que visões diferentes sobre espaço, tempo e dinheiro, frutos da indignação com a maneira que essas variáveis se relacionam. As variáveis nunca são neutras na sociedade. Caso da construção civil, por exemplo, que explora a mais-valia dos operários, impedindo a evolução da mão de obra, sujeitando-os à precariedade de materiais, técnicas, ambiente, alimentação e educação [2].


Cabe mais do que nunca, portanto, à Arquitetura (e a nós arquitetos) construir significados maiores do que o simples desejo mercadológico.
A forma na arquitetura é um fenômeno: a maneira como as partes estão dispostas e como se comunicam, organiza um formato necessário, cuja finalidade principal é habitar. É preciso deixar antigas idiossincrasias de lado... a arquitetura é sim um produto, e está sujeita a fins de mercado, mas isso não deve de maneira alguma ser o condutor da vontade de construir.

Através do significado, o arquiteto é um agente de transformação na sociedade.


[1] STEVENS, Garry. O Círculo Privilegiado: Fundamentos Sociais da Distinção Arquitetônica. Brasília, Editora UNB, 2003.
[2] Como bem expõe Sérgio Ferro durante toda a coletânea de textos de "Arquitetura e Trabalho Livre" (Cosac Naify, São Paulo, 2006).
> Primeira foto: pátio central da Casa de Vidro, projeto de Lina Bo Bardi - Larissa França (Maio de 2013).
> Segunda foto: trabalhadores construindo a armadura do Congresso Nacional em Brasília - Marcel Gautherot (vista aqui).
> Terceira foto: modulor na Residência M. Marcondes, projeto de Francisco Segnini e Joaquim Barretto - Fernando Gobbo (Novembro de 2013).

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