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Eisenman e Giger: O conceito de Grotesco


Eisenman e Giger: O conceito de Grotesco ou A gravidade não pode ser desligada por um gesto arquitetônico

         Não há como fazer arquitetura sem se subjugar à física e à natureza, já que essas são leis imutáveis de nosso mundo e realidade. Não há como mudar a física com um edifício, mas podemos questiona-la através de uma representação formal. Porém, não adianta que um edifício apenas resista à gravidade, sendo preciso demonstrar visualmente, de maneira que o observador (esse ser capaz de não apenas ver, mas sentir o edifício) enxergue as características que representam tais questionamentos.

O edifício da CCTV em Pequim, China. Excelente exemplo de questionamento através da forma.*

         Todas as formas físicas estão sujeitas a forças imateriais, portanto etéreas, no sentido de que uma representação formal na arquitetura é refém, não apenas de suas próprias características, mas de tudo que forma a realidade e dimensão percebida. É o resultado dessa reação, mais a soma da subjetividade da personalidade de cada indivíduo (suas experiências e vivências), que forma a percepção do "Belo" e do "Feio".
         Segundo o arquiteto Peter Eisenman, em seu famoso texto "En Terror Firma: Na Trilha dos Grotescos" (ver referência ao final da postagem), esse resultado pode ser chamado de Sublime, as qualidades do etéreo que acabam por se dividir no conceito de "Grotesco" (aquilo que é feio, incerto, que causa medo pela não dominação da natureza).

Maquete da Casa Virtual de Peter Eisenman, a morada que pertence a lugar algum.

         Pessoa comprometida a explorar a Arquitetura enquanto ação que nega o formalismo (responsável, em sua opinião, por desviar a atenção do desenvolvimento da Arquitetura Moderna), Peter Eisenman tentou libertar a profissão dos paradigmas e preconceitos que a tentavam "contaminar": Lugar + Função + Sistema Construtivo (para muitos o que define Arquitetura em si).
         Mas o que sobra quando tiramos essas três características? Uma Arquitetura que se define como livre desses conteúdos/obrigações, capaz de resolver a construção através da exploração formal. Ou seja, uma arquitetura puramente preocupada com a questão da tectônica, da construção e da representação formal resultante.

Estudos para a Casa VI - Peter Eisenman

         A exploração dessa subjetividade formal, ligada fortemente com os sistemas construtivos, acaba por ser tema exaustivo da exploração do arquiteto Eisenman. A ocupação do espaço, seja ele real ou virtual (se é que existe tal separação), é dado portanto por suas características superficiais (de sua superfície) e do vazio entre os cheios. Superficial enquanto forma, materialidade, textura, cor, etc, que são perceptíveis sensorialmente. E vazio enquanto características que não percebemos sensorialmente, como profundidade, recuo, frontalidade, alongamento, compressão, etc, que apenas julgamos existir (já que não é possível "ver" o vazio, dado que o mesmo é justamente a ausência de percepção, o intervalo entre as coisas em nosso universo).
         A arquitetura que Eisenman busca, pertence ao campo do vazio.

Vista externa da Casa VI de Eisenman concluída.
Para o arquiteto é importante que a forma resultante seja provedora das características que levaram à sua concepção final.

A imagem interna da casa mostra duas escadas. A primeira, escura, é funcional e liga duas cotas de nível diferentes. A segunda, vermelha, está no teto da casa. Será ela funcional? A pergunta na verdade é: será que a função deve se relacionar apenas ao que as pessoas podem fazer (no caso subir a escada), ou deve também envolver a poesia de como as pessoas ocupam o espaço? A escada vermelha representa o eixo que divide a construção.

Assim como na arte cubista, o resultado final não é o mais importante, mas sim o processo, revelado no produto final. Portanto não é de estranhar que alguns pilares e vigas na Casa VI não tenham função estrutural alguma, mas em relação a todo o conjunto desenvolvem um diagrama conceitual, que mostra o processo projetual pensado pelo arquiteto, capaz de ser vivido e habitado por seus moradores.

         Porém, como o próprio arquiteto percebe após muitos estudos, um edifício representado de maneira material real, ou seja, construído em nosso mundo, está condenado a fazer parte deste. Não é possível escapar da física, nem da resultante impressão sensorial de cada indivíduo.
         Portanto, como dito no começo desse texto, não é possível fazer arquitetura (construída e no mundo "real") sem se subjugar à natureza. Podemos chegar então à conclusão que não existe Arquitetura Grotesca, já que se algo pode ser projetado e construído, ele não é mais incerto, não pode fugir da física e daquilo que é natural.
         Assim que a Arquitetura sai do campo "irreal" (virtual) e passa para o "real" (construído), ela instantaneamente torna-se certa. Não existe mais o medo de tal representação não dominar a natureza (ou ser dominada por ela), existe apenas (e na obra de Eisenman isso é latente) a representação de tais medos no vazio sensorial, não percebido conscientemente por todas as pessoas.

Landscape 30 (1975) - H. R. Giger

         Já no campo das Artes Plásticas, ao contrário da Arquitetura, é possível que algo incerto seja representado de maneira concreta, já que o a própria interface de uma pintura pode ser considerada real (enquanto representativa através de técnicas experimentais ou consolidadas no plano pretendido) e virtual (enquanto representativa das idéias que o artista tenta exprimir, consciente e inconsciente). Uma pintura que representa algo incerto, portanto desconhecido, é algo que foge da natureza, e não precisa estar presa à física de nossa realidade e dimensão, enquanto aquilo que tem a pretensão ou não de simbolizar algo.
         A arte do suíço H. R. Giger pode ser, então, verdadeiramente Grotesca.

Waterfall (1977) - H. R. Giger

         Uma arte não apenas Grotesca, mas, como diz Eisenman, uma forma complexa de Belo (que inclui o feio).
         Hans Rüdi Giger atinge tal barreira ao representar cenários completamente improváveis e estranhos, como que saídos de mundos e realidades extra-terrestres. Mesmo que certos aspectos físicos de nossa natureza sejam reconhecidos (como a catarata na imagem acima, ou até mesmo orgãos genitais e outras representações de teor sexual) não há como ter a confirmação e certeza que aquilo que vemos realmente é o que pensamos ser. Tal é o nível grotesco que sua arte atinge, que a física é posta completamente em xeque.

New York City 22, Subway (1981) - H. R. Giger
Embora sensorialmente, seja possível identificar orgãos genitais, todo o restante foge completamente das leis naturais conhecidas, acabando por confundir o real significado.

         Giger é mais conhecido pelos designs que realizou para o primeiro filme de ficção científica Alien (e mais recentemente Prometheus), e pela arte que ilustra álbuns de diversas bandas, de rock progressivo a heavy metal.

Alien Hieroglyphics (1978) - H. R. Giger
Imagem conceitual utilizada no design do filme Alien (Alien: O Oitavo Passageiro, aqui no Brasil), de 1979.

Pilot in Cockpit of the Alien Wrack (1978) - H. R. Giger
O acrílico sobre papel acima, ilustrando o "Space Jockey" como ficou conhecido no filme Alien, teve seu design novamente utilizado para o filme Prometheus (2012), também do diretor Ridley Scott.

Capa para o álbum Brain Salad Surgery, da banda de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer (1973) - H. R. Giger

Vlad Tepes (1978) - H. R. Giger
Acrílico sobre papel utilizado na capa do álbum Eparistera Daimones, da banda de heavy metal Triptykon.

         A maneira como o artista explora e monta os cenários que cria, acaba por desnortear o observador. Através de formas inesperadas que parecem criar seres e lugares ao mesmo tempo artificiais e orgânicos, Giger toma como base a natureza e física de nossa realidade, e a altera completamente, sem deixar claro (como nas representações de Eisenman) o processo pelo qual chegou-se ao resultado final. Os desenhos são fotografias exóticas de um universo cujo conteúdo só é possível de ser observado graças à arte de Giger.
         Se o resultado é planejado ou causado deliberadamente, através da criatividade, apenas o artista pode responder. Se alguns dos desenhos de Giger, porém, foram repassados para a vida real através do Filme Alien, por exemplo, ainda assim continuam a questionar a natureza. Continuam, pois mesmo que passem à nossa realidade momentaneamente, são novamente eternizados no cinema, em filme.
         No cinema, o conceito de grotesco ganha novamente validade, em revés à arquitetura.
A gravidade não pode ser desligada por um gesto arquitetônico, mas pode ser desligada quando as luzes se apagam e o filme se projeta na grande tela.

Eggsilo Exterior (1978) - H. R. Giger
Para aqueles que já assistiram Prometheus.

Imagens e mais informações:
> Primeira imagem que ilustra o post: montagem utilizando a foto-montagem do projeto para a Max Reinhardts Haus (1992), de Peter Eisenman [http://archidialog.com/2010/06/14/peter-eisenman-rem-koolhass/], e o acrílico sobre papel/madeira Hommage à Böcklin (1977), de H. R. Giger [http://media.photobucket.com/image/Giger/netito_c/hr_giger_hommageaboecklin.jpg];
> CCTV, projeto do escritório de arquitetura holandês OMA [http://espacoemovimento.blogspot.com.br/2010/11/china-central-television-headquarters.html];
> Artes de H. R. Giger:

> EISENMAN, Peter. "Em terror firma: na trilha dos grotescos". In NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2006, p. 611.
> MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual. São Paulo, Cosac Naify, 2008, p. 135.
> H. R. Giger ARh+. Colônia, Benedict Taschen, 2004, p. 64.

*A imagem do prédio da CCTV, para ilustrar um questionamento formal da física, não está na postagem a toa. O projeto do Office for Metropolitan Architecture de Rem Koolhaas é parecidíssimo com o projeto de Peter Eisenman para a Max Reindhart Haus, nunca construído, que ilustra a montagem da primeira imagem. Apenas uma curiosidade.

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