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Decameron - MK27 [Crítica]


         A Alameda Gabriel Monteiro da Silva têm uma dinâmica quase que constante no quesito de móveis, arte, arquitetura e design como, por exemplo, as Lojas Trousseaut e a Loja Art de Vie, entre diversos escritórios de arquitetos e decoradores paulistanos desde a década de 1970. Uma das mais novas aquisições arquitetônicas para a agradável região é a Loja Decameron projetado em 2011, pelo Studio MK27 de Marcio Kogan. Referências industriais foram utilizadas na materialidade construtiva da loja, já que o desejo do cliente Marcus Ferreira, um importante designer brasileiro, era um espaço convidativo e inovador, como ele mesmo diz, “surpreendente”.
         Mas, será que o projeto concluído atingiu as expectativas? Ele é realmente surpreendente, visto que o sistema construtivo – contêiner é bastante reutilizado e reinserido na arquitetura contemporânea?
         No Brasil, essa idéia de empilhar módulos de contêiners para criação de espaços e arquitetura é uma inovação, é surpreendente, como dita na revista Au n° 205, Abril de 2011, uma arquitetura “low tech”. Ainda que no mundo, o ato de utilizar esses objetos não seja exatamente uma novidade (vide os diversos projetos reutilizando contêiners que aparecem todos os anos), o projeto da Loja Decameron inova justamente pela ausência de tais objetos fundidos à arquitetura da cidade de São Paulo.


         O uso pode não ser novidade, mas a maneira elegante como os contêiners são dispostos, volumétricamente falando, permitindo certa permeabilidade na quadra, não inova, mas renova o conceito. Uma caixa utilizada para transportar objetos inseridos em um conceito da qual a sua sobreposição e disposição cria espaços para divulgar os objetos da loja de decoração. Reutilizar é reinventar.
         O artista, originalmente francês, Marcel Duchamp inovou o conceito de arte com o chamado Ready-Made. Uma arte de reinventar. Uma arte de relocar objetos, peças que, antes de contextos funcionais, agora se tornam obras de arte. Um dos maiores exemplos é “Fonte” de 1917 na qual ele desloca um urinol, uma situação não artística, inverte, assina e, a partir daquele momento, Duchamp cria uma nova perspectiva do que poderia ser proposto como arte. Suas obras foram amplamente criticadas e abriram a discussão para o conceito de arte, sua funcionalidade e papel na sociedade contemporânea.

"Fonte" - Marcel Duchamp

         Se a Loja Decameron, em sua materialidade, utiliza elementos que antes possuíam outro uso (os contêiners), teria, portanto o projeto, em sua essência, o conceito de Ready-Made?
         Um espaço que antes servia de abrigo a mercadorias e objetos de caráter efêmero, sustentando-se sobre si, fechado em um invólucro cujo principal objetivo é proteger seu conteúdo das intempéries além de transportá-los. Os contêiners, enquanto construção não difere tanto assim das “caixas” em que vivemos. Aplicadas no projeto, essas estruturas autoportantes não ganham novo uso, no sentido de que ainda guardam “coisas”. A diferença é que agora esses contêiners não são mais Construção, mas Arquitetura.
         Assim como Duchamp intervêm em obras cujo uso e estética estão definidos, o MK27 intervém num objeto, através de rasgos e cor, posicionando-os de maneira a criar um conjunto que articula com a malha urbana, criando uma experiência arquitetônica nova. Ar fresco para a tipologia de comércios de São Paulo.


         Ao analisar as plantas da loja de design Decameron, nos deparamos com sua composição formal de uma caixa racionalista abraçada por uma estrutura de concreto, modulada, ou seja, os contêiners são proporcionais ao módulo 1:2:4. O quadrado do vazio central proporcional é o dobro da dimensão do volume dos contêiners empilhados. Tudo tem um por que na arquitetura de caráter e tipológica. Para não tornar ao olhar do usuário e visitante da obra essa divisão e fragmentação tão óbvia do contêiner em si, o arquiteto Marcio Kogan e sua equipe optaram por pintar os contêiners de forma a quebrar a linha de encaixe em cada caixa de contêiner como, por exemplo, as cores: azul, amarelo, laranja e rosa que são mais visíveis ao contexto urbano.


         A entrada principal se dá pelo próprio contêiner com o contato com o espaço urbano e da caixa sobreposta a esse, toda envidraçada, tornando-se parte da vitrine da loja voltada para a Alameda. Na fachada principal ainda, há uma grande porta de vidro fosco que de certa forma, abre e fecha o interior da loja ao público. Bem ao centro do jardim na entrada, apenas uma árvore arboriza e compõe todo o conjunto de forma a criar uma permeabilidade visual com o jardim de inverno central da loja. Uma conexão visual entre o interior e o exterior. Além de a árvore ter um tronco todo contorcido e irregular tendendo a verticalidade, sendo que o conjunto tende a horizontalidade tanto em planta quanto no volume. Essa árvore, existente no terreno e acolhida no conceito, contrasta com a horizontalidade da obra. Como um recorte de tela widescreen do cinema, a Loja Decameron apresenta o caráter “cinematográfico” das obras de Marcio Kogan.
         O projeto arquitetônico “Ready-Made” do Studio MK27, é um exemplo formidável de que um projeto com implantação, programa e materialidade simples e bem definida, é capaz de exercer um papel importante na cidade, mesmo que seja apenas o de convidar o cidadão a descobri-lo. No projeto da Loja Decameron, não são os detalhes de acabamento que mascaram a arquitetura, mas o detalhe construtivo que é colocado em evidência, a favor de transformar o espaço através de uma arquitetura simples, e que foge do usual apenas por empregar elementos até então sem relação. O resultado é a reinvenção.


         Para mais informações sobre o projeto, não deixe de ler nosso primeiro post sobre a Loja Decameron, clicando aqui.
         Mais informações e as ótimas fotografias de Pedro Vannucchi, podem ser vistas no site do ArchDaily Brasil, clicando aqui.
         A imagem da obra "Fonte" de Marcel Duchamp, foi vista aqui.

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