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Metabolismo Japonês - Parte 2 [ou as estruturas capazes de vencer a natureza]


         O arquipélago japonês sempre impôs dificuldades para aqueles que tentassem habitá-lo. Além da região ser acidentada, com muitas montanhas e vales, com estações do ano bem definidas e marcantes em suas características, a atividade tectônica foi e ainda é responsável por grandes desastres. Os terremotos tem enorme influência na maneira de enxergar a realidade para os habitantes do território nipônico, num entendimento da vida como uma atividade de constante renovação.
         Há exatamente 1 ano atrás, no dia 11 de Março de 2011, terremotos, seguidos por tsunamis, devastaram muitas regiões do Japão. O desastre só não foi maior devido à preparação e grandes pesquisas feitas no avanço da tecnologia frente aos tremores. Milhares de vidas foram salvas, algumas se perderam. Relembre aqui.
         Renovação forçada. Reconstrução.


         Ao longo dos séculos, a história foi escrita com desastres. Os habitantes assistiram a tudo, incorporando a destruição/reconstrução em sua cultura. Não há como impedir que os terremotos aconteçam, mas há como se prevenir cada vez mais, e a Arquitetura e Urbanismo assumem papel importantíssimo nessa questão.
         Não é de se espantar portanto, que até mesmo em filmes, quadrinhos (mangás) e desenhos animados (animes), construções e cidades utópicas lidem com soluções para grandes desastres que sempre assolam o território japonês, sejam terremotos, tsunamis, o horror do holocausto nuclear, ou então tudo isso junto, simbolizado por uma ameaça maior que em muito ultrapassa nossa compreensão. O medo do ser humano pelo desconhecido.


         Acima, croquis da cidade de Tóquio 3, do mangá/anime Neon Genesis Evangelion. A cidade tem edifícios retráteis, que em tempos de perigo podem ser recolhidos para dentro da terra.
         Abaixo, a arte finalizada da cidade.


         No Japão, a utopia caminha junto com a realidade, em pesquisas que, se não resolvem, iluminam caminhos e situações antes impensáveis.
         O Metabolismo, movimento arquitetônico japonês de vanguarda dos anos de 1960 e 1970, teve importante papel na passagem de utopia para realidade, tornando possíveis experiências teóricas e concretas no projeto de grandes estruturas capazes de vencer a natureza hostil do pequeno arquipélago.
         A influência do Metabolismo, e de seu grupo de arquitetos, pode ser sentida na arquitetura contemporânea do país, e no desejo de domar a natureza.


         Projetos como na imagem acima, que mostra um sistema que permite que casas literalmente levitem do chão e flutuem durante um terremoto, seriam impossíveis sem a influência do Metabolismo, e de arquitetos como Kiyonori Kikutake.

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         A imagem acima, apenas uma de várias que ilustram o livro Project Japan: Metabolism (de Rem Koolhaas e Hans Ulrich Obrist), mostra um preocupado Kikutake observando a maquete de seu projeto para a Cidade Marinha (Ocean City) em 1968.
         Durante sua vida, Kiyonori Kikutake realizou diversos projetos, utópicos e concretos, que tinham algo em comum: a constante necessidade de prevalecer sobre a natureza, de maneira a trazer segurança aos cidadãos, por meio de uma arquitetura racional.


         A Cidade Marinha seria uma alternativa de ocupação humana, em um território de restringida ocupação (apenas 25% da área total do arquipélago japonês pode ser ocupado convencionalmente, ainda que à mercê de tsunamis e terremotos).
         No oceano, essa cidade se ergue no horizonte, em infindável território, cercada de recursos naturais, protegida dos terremotos, oferecendo moradias à população que ainda se recuperava do horrível pós-guerra.
         Mar e céu. Para Kikutake, estes eram "solos artificiais", onde uma nova arquitetura poderia surgir.


         Em 1958, após passar algum tempo projetando habitações para os desabrigados na guerra, o arquiteto projeta e constrói sua própria residência, a Sky House (imagem acima). Por anos uma grande referência da arquitetura metabolista, essa casa elevada do chão poderia receber complementos e adaptações no vazio que a separa do chão. Ao longo do tempo, outros volumes, como parasitas, foram adicionados à volumetria original, de acordo com o crescimento da família do arquiteto.


         Uma das principais mentes da arquitetura contemporânea japonêsa, Kasuyo Sejima (do escritório SANAA), quando perguntada em uma entrevista qual foi o motivo que a levou a se tornar arquiteta, respondeu:
         "Quando eu estava no primário, minha mãe tinha essa revista com uma foto da Sky House, do (arquiteto japonês) Kiyonori Kikutake. Meus pais estavam pensando em construir uma casa, e tinham essa revista que acabei vendo por acidente. Eu realmente me tornei interessada - interessada no fato de que uma casa pudesse ser daquela maneira. Ver aquela foto, deixou uma profunda impressão em mim. Porém, eu era muito pequena e eles acabaram não construindo sua própria casa, de maneira que aquela pequena chama de interesse acabou sendo esquecida. No Japão, quando você chega ao terceiro e último ano do colegial, você deve decidir que curso universitário fazer. Me lembrei daquela casa que havia me impressionado tanto, e então me resolvi pela Arquitetura. Naquele ponto, não sabia que a casa era famosa, mas quando ingressei na faculdade, e fui à biblioteca, me dei conta disso."

Hotel Tokoen (1965)

Centro Cívico Miyakonojo (1966)

Estrutura Modular Anti-enchente (1972)

Museu de Tóquio (1993)

         Durante sua vida, até seu falecimento em dezembro do ano passado, os vários projetos de Kikutake lidaram com conceitos que impulsionaram e inspiraram soluções capazes de oferecer esperança contra a bela e imprevisível natureza de seu país. Em sua última aparição pública, meses antes de falecer, numa palestra com seus companheiros metabolistas Kenji Ekuan e Fumihiko Maki, Kiyonori Kikutake disse o seguinte à plateia que os assistia, como conta James Westcott (do AMO, divisão do OMA de Rem Koolhaas):
         "Vocês vieram aqui hoje e nos ouviram falar sobre Metabolismo. Mas, por favor, não pensem que entenderam. Por favor, não pensem nunca que entenderam alguma coisa".

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Continua...

Não deixe de ler a Parte 1 dessa série:

Imagens e mais informações:
> Cidade Marinha:
> Tóquio 3:
> Sistema de levitação de edifícios:
> Kikutake em 1968 e Estrutura Modular:
> Sky House:
> Entrevista com Kazuyo Sejima:
> Hotel Tokoen:
> Centro cívico Miyakonojo:
> Museu de Tóquio:

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