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Ultraecletismo nas grandes cidades: A dificuldade em absorver o Novo [parte 1]



         São precisos poucos meses imersos no mercado da construção civil para entender seu funcionamento.
         A profissão de Arquitetura e Urbanismo em cidades como Ribeirão Preto, Campinas e São Paulo é manipulada por um mercado imobiliário voltado aos desejos e consumos de uma minoria da população que, alimentada pela mídia e meios de comunicação, é completamente leiga e ignorante quanto ao papel do arquiteto e urbanista. O resultado disso é algo extremamente ligado ao consumo e a um status que propicia a exclusão social e a transformação do arquiteto e urbanista, cada dia mais, num “decorador”: um profissional que categoriza e mescla, como um tipo de monstro, diversos “estilos” aliados aos desejos e “sonhos” dessa minoria populacional de renda diferenciada. O Urbanismo então, quando lembrado e utilizado como palavra, sequer pode ser denominado como tal, já que está longe de trabalhar em soluções que atendam as demandas da população, num total descaso da prefeitura e dos escritórios, que resulta em ainda maior exclusão social e abismo entre as concepções de público e privado.

Arquitetura como um quebra-cabeça de estilos.

        Chega-se à conclusão que no mercado de trabalho, ao contrário do que lemos nos livros de história da Arquitetura, o Ecletismo não morreu ou terminou. Pelo contrário: ele sobreviveu durante o final do século XIX, atravessou o século XX e está espalhado pelo espaço urbano no século XXI. Esse Ecletismo continuado, que como um monstro vai absorvendo e transformando tudo em estilos, se manifesta hoje na grande maioria dos edifícios de Ribeirão Preto, Campinas e São Paulo. É um Ultraecletismo*.

O Ecletismo não acabou.

         As faculdades querem formar arquitetos e urbanistas, ou querem formar profissionais vendidos aos desejos da população rica do país?

         Da pra falar em ética profissional em faculdades que estampam em suas sedes uma arquitetura que é tudo isso que foi descrito acima? E achando lindo ainda?
         Será que o curso tem que se adaptar às exigências desse mercado? Ou será que é papel dos coordenadores, professores e alunos do curso, levantar essas questões e debater, discutir qual é afinal o papel do arquiteto e urbanista nesse cenário que não tem possibilidades de mudar tão cedo?


         E quanto aos leigos? Não se pode esquecer que os denominados leigos são a maioria das pessoas que vivem na Cidade, e usam a Arquitetura para viver. O por que da população não entender o papel do arquiteto fica claro quando se vê a maneira que a própria mídia divulga a profissão. Fato esse, que aliada à Educação ridícula de nosso país, molda o mercado consumidor.
         Talvez a questão maior então seja: por que a maioria da população das Cidades tem tanta dificuldade em absorver uma Arquitetura que não se preocupa em ser construída com estilos, mas que ao invés disso, resulta de uma postura projetual que pretende solucionar os problemas, tendo a forma como resultado, ou exploração, de tal operação?
         Essa arquitetura que a população das cidades não entende, é o que a Arquitetura Moderna se propunha a fazer décadas atrás...numa época em que, citando Anatole Kopp, “o Moderno não era um Estilo, e sim uma Causa”.
         Da mesma maneira que o Ecletismo não acabou, mas continuou no Ultraecletismo, mostrando-se não um estilo, mas uma postura de se “montar” a arquitetura perfeita através da soma de estilos, o Modernismo também não acabou, já que vários projetos, mesmo que diminutos dada a titânica escala da influência ultraeclética, ainda são pensados com postura semelhante à dos modernos. A diferença se dá em abraçar e entender onde a Arquitetura Moderna falhou.
         Dados os fatos, e incorporando esse pensamento de divisão em “gavetas” que nos é ensinado desde o Ensino Fundamental, é possível distinguir três correntes, grosso modo, na produção arquitetônica contemporânea no Brasil:
         >Arquitetura Ultraeclética: Moldada no status. Se pensa a Arquitetura da mesma maneira que nos são apresentadas as disciplinas de história no Ensino Fundamental: dividida numa série de estilos e sub-estilos, grupos e sub-grupos, onde atingi-se um bom projeto pela soma dos estilos considerados “mais belos” para a resolução do programa. Uma arquitetura que considera de extrema importância “os cheios”, a “moda”. O Ultraecletismo é encontrado nos últimos lançamentos do mercado imobiliário, das grandes construtoras, de profissionais que estampam diversas revistas voltadas ao público leigo, e prolifera-se com rapidez nos condomínios fechados.

         >Arquitetura Moderna: Esta, apesar do fracasso em transformar completamente o mundo durante o Século XX, não está morta. É a Arquitetura focada pela mídia especializada e academia. A Arquitetura pensada para resolver o programa de necessidades da melhor maneira. A produção arquitetônica séria do país hoje tem como base a Arquitetura Moderna brasileira dos primeiros 60 anos de Século XX, formada por gerações brilhantes, cuja lista é extensa e bem conhecida de qualquer estudante sério de Arquitetura. Dentre os escritórios contemporâneos, a lista também é extensa, tornando a produção arquitetônica brasileira atual extremamente rica, focada em diferentes pontos e metodologias.


         >Arquitetura Pós-Moderna: A mais contraditória das três. Assim como as duas “correntes” citadas acima, essa também não está morta, mas talvez presuma que as duas anteriores estejam. Partindo pelo lado do óbvio, algo só é “pós”, se aquilo que precedeu isso tiver terminado (uma pós-graduação por exemplo, é algo que só acontece quando se termina uma graduação). Marcada pelo retorno da influência eclética e extrema crítica ao Modernismo, o discurso Pós-Moderno prima pela manifestação da subjetividade. Em nosso país, é escasso o estudo sobre o tema, assim como os exemplos físicos arquitetônicos, que também não satisfazem a idéia da corrente de pensamento.

O Abraço do Ultraecletismo engole até mesmo o Moderno e o Pós-Moderno. Interpretação de desenho de Matt Root.


         Se o Pós-Modernismo foi contraditório em seu tempo de surgimento e discussão, na década de 1960, ele o foi ainda mais no Brasil. Dizemos isso, pois ao contrário do restante do mundo ocidental, o Pós-Moderno na Arquitetura foi pouquíssimo discutido nesses últimos 50 anos no país. Fato que ocorreu devido a diversos fatores, mas dentre eles, especialmente devido ao longo período da Ditadura Militar. A Arquitetura Moderna se incorporou de tal maneira na cultura de nosso país, e foi usada de maneira tão focada pelos sucessivos governos da metade do Século XX, sendo o ápice é claro Brasília, que ao contrário dos demais países, aqui o Moderno “deu certo”. Deu certo?



         Continua em: Ultraecletismo nas grandes cidades: A dificuldade em absorver o Novo [parte 2]

*ROZESTRATEN, Artur Simões. Ultraecletismo?. Arquitextos, São Paulo, 10.114, Vitruvius, nov 2009 http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.114/16.

         Fotos dos autores.
         Exceto:
         > Matt Root: http://www.mattroot.com/
         > Imagem título: montagem utilizando imagens randômicas de pesquisa no Google. Inspiração para esquema daqui.

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